Plataformas não existem.

Recentemente eu fui convidado para participar de um congresso de novas economias para falar do futuro das plataformas digitais e como as crypto moedas funcionam nesse novo cenário.

Rodrigo Seoane
11 min readOct 28, 2019

Fiquei muito satisfeito com o feedback positivo dos assistentes e me fez perceber que isso pode trazer valor para mais gente tentando encontrar seu caminho no meio digital, por isso eu transformei a apresentação em 3 posts e resolvi disponibilizar essas partes em uma série de posts que serão publicados aqui no medium.

A sequência de posts é a seguinte

  1. Plataformas não existem.
  2. O real futuro das plataformas.
  3. E onde entram os tokens?
Platform Design Masterclass — London Nov 2018

Eu sempre fiz tudo pelo social. Mesmo quando era garoto e voltava da praia cheio de areia, nunca pegava o elevador de serviço, sempre subia pra casa pelo social. =)

De lá pra cá felizmente meu entendimento do que é agir pelo social evoluiu, e hoje eu estou aqui pra contar um pouco da minha história e como isso me levou até onde estou hoje, colaborando com a equipe do platform design toolkit e a partir do que estamos aprendendo com nosso projeto apresentar qual é a nossa visão sobre o futuro das plataformas digitais e onde que as crypto moedas entram nesse novo cenário.

Pra dar um pouco de contexto sobre mim, eu vou voltar a 89, no meu aniversário de 10 anos. Enquanto todos meus amigos estavam ganhando bicicletas de natal ou de aniversário, no meu aniversário eu ganhei um livro. “Basic para crianças”.

Essa era a ideia de diversão do meu pai, analista de sistemas no Proderj e futuro diretor de informática da UERJ. E eu um projeto de nerd sem ideia do que estava fazendo, mas já tinha aprendido a acessar a biblioteca do congresso americano usando o gopher no nosso computador de casa, resolvi aprender basic. E nós tínhamos um TK2000 em casa, e para os mais novos, isso quer dizer que enquanto eu estou aprendendo basic, ninguém assiste TV, porque a TV é o monitor.

Avançamos até 2000, estou cursando engenharia na UFRJ e cheguei até o NCE onde encontro cursos de Flash, HTML, Photoshop, CSS, Javascript. Todos grátis para os alunos e as aulas aconteciam no prédio ao lado do prédio de engenharia.

Ali foi a primeira mudança no curso do meu barco. Logo de cara começo a oferecer serviços como web designer freelancer e em 2003 ali mesmo no NCE eu fiz a minha primeira formação certificada em webdesign, até que em 2008 me graduei em criação e gestão de ambientes internet pela Estácio.

Todo esse período eu estive trabalhando com web, como freelancer e/ou empregado. Eu já possuía confiança sobre meus conhecimentos técnicos de produção, aprendendo de todos os tutoriais que eu podia encontrar, e isso ajudou muito meu inglês porque basicamente não havia nada em português, mas ainda tinha muita dificuldade pra conseguir clientes e justificar minhas escolhas gráficas. Toda minha formação havia sido baseada na parte prática e sentia que me faltava a teoria.

Em 2011 eu me mudei para Portugal para um mestrado em Design de Comunicação.

Eu tive uma cadeira sobre design de serviços onde tivemos que trabalhar em um projeto real envolvendo pessoas idosas de Almaceda, um vilarejo muito pequeno, em Portugal. Com aproximadamente 600 habitantes sendo 90% idosos. Foi um clique. Estive lá, conversando com os idosos, debatendo com eles a solução para sua antiga casa … Ouvindo todo tipo de histórias, teve um que me contou quando era garoto, via o padre sair da casa de uma viúva pela janela e voltava pra igreja pulando pelos telhados.

Foi uma experiência de mudança, esclarecedora e imersiva e me levou a segunda mudança no barco. Desde então eu deixei de lado a parte gráfica e procurei me aprofundar em outras abordagens para gerar soluções de design mais holísticas, como Design thinking ou o pensamento lateral e usar esse conhecimento para trazer melhores resultados aos meus clientes e aumentar o seu impacto.

http://www.smartcitieslab.com/?nevonproducts=smartquesina

Eu chego em Barcelona em 2012 através de uma bolsa de Erasmus para estagiar por 4 meses, tive a sorte de ter um chefe espetacular, e a oportunidade de trabalhar em 2 projetos incríveis, um jogo para fazer um match entre empreendedores e investidores onde aprendi sobre estratégias de gamificação; e a Smartquesina, uma parada de ônibus inteligente que funciona a base energia solar e possui painéis de propaganda com placas NFC para interagir com dispositivos móveis. Recebemos o prêmio de 2º melhor projeto na feira de Smartcities naquele ano. Eu era o responsável pela parte de comunicação visual mas estava presente no dia a dia das reuniões de produto.

O estágio terminou mas já não podia mais voltar. Dali surgiu também a inspiração pro que virou meu projeto final: Lumikha, um add-on para jogos on-line que envia parte de compras de clientes como micro doações para campanhas de projetos sociais em sites de crowdfunding. Cheguei a ter uma reunião com um dos diretores da King (a criadora do Candy Crush) e uma sessão de co-criação em uma incubadora, mas não conseguimos fazer o projeto avançar. De Lumikha falhar, eu aprendi que há mais fatores para que funcione um modelo de negócio do que apenas comunicar sua solução corretamente.

Em 2014 trabalhei para uma empresa suíça de desenvolvimento de aplicações com bigData, com projetos como um sistema de medição de desastres naturais para ONU ou uma aplicação para medir a aprovação popular para a prefeitura de Londres. Além disso me envolvi com outras redes de profissionais aqui da cidade. Participei da produção de 2 TEDx, e passei a colaborar com os projetos do Ouishare, onde passamos muito tempo questionando, experimentando e desconstruindo os mitos do nosso tempo, bem como nossas próprias visões idealistas de práticas colaborativas, governança compartilhada, descentralização, ou cidades inteligentes.

Efetivamente o Ouishare é uma rede de consultores ganhando muita experiência e especialização na organização de eventos inovadores e participativos, criação e curadoria de espaços físicos que conectam diversos ecossistemas e na capacidade de pesquisar e lançar luz sobre tópicos emergentes.

No final de 2016 em um evento organizado pelo Ouishare conheci o Platform Design Toolkit, e tive contato com o Simone (Cícero), criador da metodologia e que havia acabado de publicar o white paper sobre o projeto. Me ofereci para traduzir o arquivo para o português e 3 meses depois como retribuição ele me coloca como co-facilitador de uma masterclass com ele no Liberté Living Lab, em Paris.

Desde então faço parte da equipe, e participo da organização e facilitação de workshops para organizações para ajudá-los a entender como as plataformas funcionam e dominar o pensamento de plataforma como uma ferramenta para capacitar equipes, além dos nossos summits a cada 6 meses para discutir o futuro da empresa e também para estarmos juntos porque somos poucos e estamos espalhados pela Europa mas nós adoramos estar juntos e fazemos disso um dos valores da empresa.. ❤

Para começar a falar sobre o futuro das plataformas eu quero primeiro colocar todo mundo na mesma página. Quando estou falando de plataformas, estou falando de redes.

Posso começar dando exemplos de estratégias de plataformas que mobilizam mercados inteiros:

Apple Store.

A Apple conseguiu mobilizar todo um ecossistema de desenvolvedores, usuários e criadores de conteúdo em sua loja de aplicativos. Eles conseguem mobilizar todo o mercado porque decidiram mobilizar um mercado externo em vez de internalizá-lo. Apple poderia criar o mesmo efeito contratando milhões de desenvolvedores? Isso não poderia ser possível.

Open Desk.

Esta empresa está produzindo móveis de escritório feitos de madeira compensada com base em desenhos abertos. Você pode fabricar essas peças através de uma máquina eletrônica, apenas clicando em um botão. Os pontos interessantes:

  1. Conecta compradores com designers e fabricantes locais.
  2. Explica como as estratégias de plataforma não são apenas sobre o site
  3. Linguagem: para que isso acontecesse, eles tinham que escolher uma maneira de projetar móveis, uma linguagem. É feito de compensado (material) e não precisa de pregos ou cola. A linguagem faz parte da plataforma: para mobilizar um ecossistema você tem que escolher o ‘idioma’ que você usará.

E um outro exemplo a GE. Uma empresa industrial que queria abordar o mercado de edifícios inteligentes. Eles evitaram o risco de começar de uma nova linha de produtos, criando uma conexão entre empresas inovadoras e clientes industriais, e eles alimentam essa rede com seus dados e tecnologia de análise inteligente.

Às vezes, as estratégias de plataforma não se parecem com o website ou a API, mas conectam potenciais em um ecossistema.

Mas porque isso acontece?

O potencial está nas fronteiras
  1. A tecnologia digital está tão difundida que está dando um novo potencial às pequenas entidades nas fronteiras dos sistemas: hoje é possível criar uma enorme quantidade de valor com meios de produção muito baratos. A maior parte do valor é criada no computador e no telefone e essas ferramentas estão nas margens do sistema, elas não estão apenas nas empresas.
  2. O potencial para criar valor está se movendo na fronteira e ele fica menos no centro. Estamos mudando do modelo de pipeline de negócios para o modelo de rede. Estamos nos movendo em um sistema em que as empresas estão no ponto médio e estão trabalhando como orquestrador de rede para conectar esse sistema.
Tudo que pode se tornar uma plataforma, se tornará uma plataforma.

The Network Imperative

O livro baseia-se em vários modelos de negócios dos últimos 50 anos. Ele afirma que a orquestração de rede (modelo de negócios) é a próxima iteração de modelos de negócios. Estas são as empresas que ganham mais dinheiro, alavancam mais potencial, e são mais estáveis.

Por que você quer abraçar o pensamento de plataforma?

Todos nós sabemos que estamos vivendo na era da cauda longa: todos querem produtos e serviços personalizados (todos desejam personalização).

The Artisanal Pencil Sharpening.

Como criar essa personalização nos mercados industriais?

Se você precisar mover uma máquina grande para responder a uma solicitação de cauda longa, é como você usar um tanque pra matar uma aranha. É inviável. E uma empresa industrial-burocrática que não está prestando atenção na solução personalizada, está perdendo oportunidades de mercado.

Voltando ao exemplo da Apple

Uma empresa de desenvolvimento web pode ser sustentável com 100–500 clientes. A Apple não seria sustentável se tivesse que contratar todos os desenvolvedores necessários para satisfazer 500 clientes.

Permitindo a auto-organização na fronteira, em vez de tentar responder com serviços personalizados aos seus clientes, ela conseguiu que os produtores se conectem diretamente aos consumidores.

Nós tivemos a burocracia por centenas de anos. Agora o mundo está super conectado, todo mundo quer algo super personalizado. Temos que mudar a forma como estamos desenvolvendo nossos modelos de negócios. E precisamos pensar em termos de redes.

Vamos lembrar 3 definições de plataforma:

  1. Choudary: plataforma como modelo de negócio, uma infraestrutura. Foco no aspecto tecnológico aqui: um modelo de negócios a partir do qual você pode se conectar. Uma empresa possui modelos de negócios onde existem algumas funções que as entidades podem desempenhar. Infraestrutura possibilitando entidades participantes de modelos de negócios da empresa. [Glovo, Airbnb, Uber…]
  2. Hagel III: plataforma fornece espaço onde você pode interagir com os outros e ao mesmo tempo, dá-lhe as regras. Metáfora do futebol: você pode jogar futebol porque existe o espaço, existem as regras que definem como você pode jogar futebol, há um árbitro que pode impor as regras. Se não houver regras claras, não há uma participação clara. Plataforma é algo que permite jogar.
  3. Hagel III: o aspecto da mensagem, a narrativa. Para mobilizar um mercado, você precisa construir uma mensagem, uma narrativa de transformação positiva. Hangel tem essa ideia muito interessante da narrativa de oportunidades ampliadas. Pergunte a si mesmo como você pode dizer ao mercado que existe um potencial que eles podem expressar. Há muito mais oportunidades do que o que existe agora.

São sobre essas três camadas:

Ferramentas <> Mídia <> História

Você precisa pensar em sua organização como algo em que a criação de valor passa por limites:

  • Interno > sem mais burocracia
  • Externo > esse processo de criação de valor acontece cada vez mais, e começa ou termina fora do limite da organização tradicional.

Se você pensa no Airbnb, você interage com o Airbnb, mas nunca com o funcionário: o host e os convidados estão fora da empresa.

Você precisa pensar sua empresa, estratégia, produtos e serviços como sem fronteiras. Parar de se concentrar no que está dentro e no que está fora. Apenas se concentre em como você pode mobilizar todo o seu ecossistema, sem controle, mas projetando incentivos.

Estratégias de plataforma são sobre projetar incentivos de grande escala que podem mobilizar todo o ecossistema para trabalhar com você. Todo o mundo pode vir trabalhar com você se você criar os incentivos certos para fazer isso.

Plataformas são acordos de colaboração escaláveis.

O jogo de design de incentivo acaba de começar: vide o surgimento das blockchains, crypto moedas e smart contracts.

Esse post é a primeira parte de uma série de 3 posts sobre o futuro das plataformas digitais e as crypto moedas. No primeiro post definimos o que são plataformas para em seguida explicar o real futuro das plataformas digitais e terminamos a série explicando como funcionam as crypto moedas nesse novo cenário.

Grande parte dessas informações são uma adaptação dos materiais originais escritos pelo Simone Cicero e a equipe do platform design toolkit e está em nosso blog e no nosso white paper.

O conteúdo original é sempre em inglês mas eu convido a todos com interesse no desenvolvimento de negócios com o pensamento de plataforma para criar ecossistemas sustentáveis a visitar nosso site e participar de nossa comunidade de práticas.

Referências

  1. Building Ecosystem-Organisations
  2. The Real Future of Platform Economy
  3. Long Tails, Aggregators and Infrastructures
  4. Tokens, Platforms and Value Chains
  5. Market Networks, Innovation and Digital Value Chains
  6. Understanding Platforms through Value Chain Maps
Existe uma versão em português do White Paper — https://bit.ly/PDT_Whitepaper_PT

Antes de você ir!

Caso você esteja obtendo valor dessas leituras e ferramentas, eu recomendo que você clique no botão e mantenha pressionado entre 20 e 50 claps, pois isso nos ajudará a obter mais exposição para trabalhar mais no desenvolvimento desses conteúdos.

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Obrigado por seu apoio.

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Rodrigo Seoane

Estratégia & Design para Plataformas e Ecossistemas. UX Lead @Boundaryless. #PlatformThinking #UX #Branding