E se o Design Thinking estiver criando mais problemas?
Eu sou fascinado pelas nossas diferentes maneiras de pensar, e descobri que tinha facilidade para entender coisas complexas ainda garoto.
Eu fui um pequeno prodígio de matemática desde que aprendi a contar ainda no jardim de infância vendo meus pais ajudarem meu irmão mais velho a fazer o dever de casa do curso de alfabetização. Eu era capaz de gabaritar minhas provas em pouco tempo, e muitas vezes com pouco a nenhum desenvolvimento no papel. Eu simplesmente conseguia resolver a maior parte dos problemas de cabeça. A ponto de ser chamado um par de vezes a sala da direção para fazer uma nova prova em um quadro negro diante dos professores para eles entenderem como eu fazia, porque eu terminava primeiro que meus colegas.
Pra mim era algo tão natural quanto respirar, mas depois de ver tanto alarde com meu caso comecei a entender que meu cérebro consegue entender contextos e responder a problemas complexos muito mais rápido e eficientemente que a imensa maioria.
Isso me dava privilégios e tempo em casa, comparado a meus irmãos que não tinham o mesmo aproveitamento na escola, e podia investir em minha curiosidade e hiper atividade. Esse foi um dos motivos que me fez escolher o design digital como carreira, pois me permitia navegar em diversos mercados para entender suas necessidades e chegar a um produto final gerador de benefícios para o meu cliente e que fosse prazeroso para o usuário final.
Hoje essa é uma definição do lugar comum em uma estratégia UX, mas foi um longo e penoso processo para aprender a articular e vender essa intenção quando a web ainda estava engatinhando e UX não era um termo.
Durante o meu mestrado em 2011 eu aprendi sobre processos e técnicas para melhorar a compreensão de contextos e de colaboração de equipes para gerar respostas mais criativas a problemas complexos. Ferramentas como os 6 chapéus de Bono ou o que mais influenciou os mercados até o momento, o Design Thinking.
O Design Thinking percorreu um longo caminho desde que Tim Brown escreveu seu famoso artigo para HBR, e introduziu o método em 2008. A empresa mais valiosa do mundo, afirmou Tim Brown, coloca o design no centro de tudo o que faz. Os designers estão na equipe fundadora de inúmeras startups disruptivas. Setores como a Saúde, Educação e Governo começaram a prototipar, iterar e construir de maneira mais ágil, com um foco centrado no ser humano.
Em comparação, a outros métodos científicos que passaram por séculos de investigação rigorosa, o Design Thinking é relativamente jovem. Como a própria IDEO descreve em seu site, décadas antes da fundação da empresa, dois trabalhos significativos e duradouros sinalizaram uma direção importante no design:
- O Manifesto First things first (1964), de Ken Garland, destacou a perversão dos princípios de design pelo setor de publicidade e apelou à aplicação de habilidades de design a serviço do bem social.
- Design para o mundo real (1971), de Victor Papanek, falou sobre a necessidade de o design abordar os problemas do mundo real de maneiras que considerem o estado da humanidade e do planeta.
E, assim como muitos pensadores individuais precederam a articulação do pensamento do design como um modo em si, um novo conjunto de indivíduos se tornaram líderes e formadores de opinião nas décadas mais recentes, conduzindo as idéias do Design Thinking para muitas novas áreas e indústrias, onde o seu potencial foi provado repetidamente.
Em vários campos, profissionais e expertos estão promovendo o Design Thinking, incentivando seu uso e adaptando-o à domínios e aplicações específicas.
“If I had to define Design Thinking in two words, I’d say ‘It’s a mindset’. Oh wait, that’s three words.” (Young, 2018)
Quando começou foi difícil de comercializar, e também ensinar um conhecimento tão intangível e difícil de definir. Para que o Design Thinking ganhasse força, foi necessário desenvolver um vocabulário e um conjunto de ferramentas que pudessem ser úteis para explicar como ele funciona. Em 1992, Buchanan definiu o Design Thinking como “uma questão de lidar com problemas perversos(wicked problems), uma classe de problemas de sistemas sociais com uma indeterminação fundamental sem uma solução única e onde é necessária muita criatividade para encontrar soluções” (citado em Johansson-Sköldberg, Woodilla e Çetinkaya, 2013). Pode-se argumentar que isso ajudou a definir o espaço acadêmico e possivelmente atraiu os primeiros adotantes, mas ainda não despertava o interesse do setor público e de negócios.
O Design Thinking viu apenas pouco mais de 15 anos de adoção generalizada. Na maioria das vezes, ainda é em grande parte um conjunto de heurísticas para orientar a colaboração em equipe.
À medida que o conceito se espalhou, ele nem sempre manteve um significado consistente, nem uma profundidade uniforme. O termo “design thinking” pode ser usado como moeda sem um verdadeiro compromisso com a compreensão e aplicação da prática.
Hoje, o Design Thinking se tornou linguagem comum em muitos setores e disciplinas. A abordagem é nova e eficaz, e os recém-chegados podem facilmente aprender e se envolver produtivamente com ela. Mas também é fácil ficar preso aos movimentos básicos do Design Thinking, perdendo oportunidades para uma integração mais completa.
Mas então qual é o Problema?
Em termos gerais o que acontece são designers de todo o mundo sendo usados para abordar o processo de design com um ponto de vista centralizado no usuário (humano). Além da comunidade de design, outras abordagens para o design e desenvolvimento de produtos (pense em toda a tradição Lean e inspirada no desenvolvimento de clientes) sempre foram focadas na centralidade do cliente. A maioria dessas abordagens está fortemente ligada à narrativa do cliente: aquela em que o designer, o criador, é obrigado a resolver um problema do cliente, encontrar o preço de mercado correto da solução e escalar.
Isso gerou uma repercussão na maneira como pensamos fazer negócio e isso trouxe o design centrado na auto suficiência do indivíduo.
Além disso vemos a evolução dos mercados causando uma nova complexidade na criação de produtos e serviços que nas palavras do próprio Tim Brown, que em tradução livre disse recentemente:
Antigamente criávamos para contextos relativamente estáveis enquanto que atualmente criamos produtos e serviços para contextos que ainda necessitam ser desenhados.
Como abordar essa nova complexidade?
Esse é o wicked problem que tem ocupado grande parte do meu tempo e energia. Ainda tenho muito mais perguntas que respostas, mas hoje tenho claro que não é um caso para uma entidade ou indivíduo ser o responsável por resolver o grande número de paradigmas que precisam ser reescritos.
Acredito que é hora de se concentrar deliberadamente no design de inter conectividade e que isso ajudará as organizações a escalar a cadeia de valor em direção à atualização do ecossistema.
Desde o blog do Platform Design Toolkit já chamamos atenção para importância do design para conectividade neste post de 2018. Precisamos fomentar a ideia de ultrapassar a narrativa do cliente e já temos alguns exemplos formidáveis de empresas que estão ultrapassando essa barreira e focando em uma estratégia mais inclusiva e voltada ao desenvolvimento das relações em seu ecossistema, e conseguindo um retorno acima de qualquer otimismo.
Um exemplo que posso citar e que tenho imenso prazer de estarmos envolvidos é a Farfetch.
A Farfetch é provavelmente o maior marketplace no varejo de moda de luxo e está em um caminho claro para se tornar uma organização centrada no ecossistema. Essa transformação a longo prazo está sendo instigada por um brilhante adotante e defensor do Platform Design Toolkit, Yolanda Martin Olivas — diretora de design, serviço e plataforma da Farfetch.
A Farfetch criou um novo modelo de varejo para moda de luxo, criando ‘network effects’ na oferta e na demanda, muito difíceis de replicar. “Imagine uma loja com vários andares, os melhores produtos de moda em várias categorias, prateleiras infinitas, mas sem estoque próprio” como descreve Felix Capital, um dos participantes da primeira ronda de investimento da empresa.
A principal inovação, afirma Felix, é um modelo de varejo habilitado tecnologicamente, mas que não depende de possuir estoque, assim como muitas lojas de departamento que se mudaram para concessões com uma porcentagem das vendas.
Desde uma pequena startup até a plataforma global de moda de luxo, com uma Capitalização de mercado de US $ 8 bilhões no 1º dia de abertura, em 10 anos.
O caso da Farfetch é fascinante e para os que estão no processo de transformação digital de pequenas ou grandes empresas, nós temos uma entrevista com a Yolanda, onde ela conta de forma muito generosa como eles estão se mobilizando e trabalhando em um dos seus principais desafios que é entender como integrar essa visão em toda a empresa para realizar a transformação, envolvendo todos e atingir o sucesso nesta nova estratégia.
Através dos anos, A Farfetch fez várias decisões críticas que estão moldando o plataforma em seu estado atual. Além da idéia original de passar do design centrado no cliente para o design centrado no ecossistema, confontraram a idéia de centralidade humana com a idéia muito mais ampla de centralização em conexões.
Além de uma narrativa de isolamento
Além da idéia original de passar do design centrado no cliente para o design centrado no ecossistema, confrontamos a idéia de centralidade humana com a idéia muito mais ampla de centrar em conexões.
Trocando em miúdos: o design centrado no cliente (usuário) criou uma narrativa de isolamento.
O cliente é visto como alguém que recebe uma solução para o seu problema, uma solução que precisa ser entendida como algo melhor do que o que está disponível no momento para realizar uma tarefa. Nesta narrativa, o cliente precisa abraçar nossa solução e consumi-la com satisfação.
E todos nós compramos essa teoria, apesar de pesquisas como a de Eric Von Hippel terem explicado que os clientes (usuários) geralmente procuram se envolver mais profundamente com os produtos, transformando-os e adaptando-os graças aos “kits de ferramentas para inovação do usuário”. Nesta narrativa desatualizada, os clientes geralmente parecem iguais e todos comportam-se independentemente, isolados um do outro.
Por que o Design Centrado no Relacionamento
Em nossa prática com os adotantes do PDT, descobrimos que o foco no relacionamento é uma maneira poderosa de garantir que nosso design tenha consciência da complexidade, da liminaridade e do aprendizado.
Na antropologia, liminaridade é a qualidade da ambiguidade ou desorientação que ocorre no estágio intermediário de um rito de passagem, quando os participantes não mantêm mais seu status pré-ritual, mas ainda não começaram a transição para o status que manterão quando o ritual é realizado. completo.
- Wikipedia
Isso representa um novo ponto focal do processo de design no que chamamos de Design Centrado em Relacionamento.
Por um lado, a complexidade e a inter conectividade estão — mais do que nunca hoje — no centro da agenda de todos: design para relacionamentos leva você a olhar para a situação de diferentes pontos de vista — todos de uma vez — indo muito além da idéia de empacotar uma solução de tamanho único para todos os problemas dos diferentes clientes, trazendo um novo conjunto de informações.
Também entendemos que as profundas implicações dessa mudança de época entre humano / usuário (foco de isolamento) e relacionamento com ecossistema (foco de interconexão) têm impactos significativos em muitas dimensões da vida de uma organização, como negócios e modelos de sustentabilidade, estratégia, evolução e governança. E uma das belezas do modelo é que pode ser aplicado nível pessoal para criar um projeto de vida e não somente a nível corporativo e comercial.
Ao abordar o processo de design com foco na inter conectividade e nos relacionamentos faz com que você se concentre na parte superior da pirâmide de Maslow (e consequentemente na parte superior da cadeia de valor) para a atualização de todo o ecossistema.
As plataformas têm tudo a ver com sistemas auto-organizados.
Já temos alguns exemplos de comunidades e empresas que entenderam e estão sacando todos os benefícios dessa integração entre seus membros. Eles permitem o ecossistema se relacionar e auto-definir serviços, produtos e percepção de valor. Além do preço, também fornecem um espaço para experiências positivas para os nichos existentes e emergentes.
O bom orquestrador vende o peixe enquanto ensina a pescar.
Conhece algum exemplo pra contar pra gente? Deixa nos comentários e obrigado por ler até aqui!
Ficou interessado em explorar o design centrado em relacionamento?
Deixa nos comentários suas dúvidas e impressões sobre como o sua empresa pode utilizar o pensamento de plataforma para acelerar os processos de transformação digital.
Referências
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